Arquivo | setembro, 2010

Pitadas crônicas: O risoto, o “Carioca” e a quarentona

18 set

O ossobuco em pessoa!

O risoto de ossobuco do Bom Demais

Sexta-feira…declinei um convite pra um chope geladinho e um outro para uma comédia comercialíssima, talvez feita pra rir…(fiquei até reticente). Muito sem paciência pensei: Ah, vou lá no Bom Demais matar a saudade das panquecas da Cristina (Cristina Roberto, todo mundo sabe, né?). Fiquei obviamente nostálgica lembrando dos tempos que íamos eu e Heloísa Novaes (na época produtora cultural, hoje, advogada…vai entender…) ao Bom Demais da Asa Norte comer essas incríveis panquecas e encontrar o povo que movimentava intelectualmente todo o cenário cultural de BSB, e, de quebra, tínhamos a sorte de dar de cara com algum show da Cássia Eller ou gente do mesmo elevadíssimo naipe.

Enfim, nas minhas noites de recente solteirisse lá fui eu pro CCBB. Me sentei e pedi uma água urgente, porque estamos secando literalmente junto com esse clima. Em meu estado de semi-cacto (mas cacto tem água por dentro, ou não? Eu estava um cacto mesmo em outro sentido internalizado…risos), só precisava de água naquele momento seco. Abri o menu pronta para partir para as memoráveis panquecas, mas fiquei na dúvida. Daí pedi uma entradinha de pães caseiros com carne louca e pimentões e uma cerveja bem gelada (tava calor!). Enquanto o pedido era providenciado entrei na livraria do bistrô e acabei comprando duas pérolas que certamente me servirão como fonte de inspiração para algum texto. Uma delas harmoniza com primor a literatura de Marcel Proust e receitas interessantíssimas. Voltei pra mesa já folheando os livros (adoro fazer isso!) e saboreando o petisquinho e a cerva.

 Nisso, o garçom me pergunta:

 – E aí vai pedir as panquecas? (acho que eu tinha comentado com ele que tinha ido lá para comer as tais panquecas).

 Respondi:

– Ainda não sei! E esses risotos?

Resposta do garçom:

– Eu sou carioca e gosto muito do de ossobuco.

Imediatamente, já com o efeito prático da cerveja dando todos os seus sinais, o meu cérebro deu um nó de cego (nó de cego é aquele que nem com simpatia mineira das boas se desfaz. Essa simpatia é tipo aquela que você pensa no nome de uma pessoa bem fofoqueira e o nó desamarra na hora). Enfim, o nó não se desfez! Fiquei me perguntando com aquela cara explícita de “não tou entendendo”, qual era conexão do carioquismo (ou seria carioquice?) do sujeito com o tal risoto de ossobuco, notadamente uma receita italiana. Pensei: Será que existe alguma receita fantástica de ossobuco no Rio que eu nem sei da existência? São Google, São Google, me diga? Existe alguma relação intrínseca entre o ossobuco e a rabada que os cariocas adoram? Me senti uma total ignorante em matéria de ossobuco e adjacências, como diria titio Odorico. Por respeito ao “Carioca” pedi o tal risoto de ossobuco (desossado e cozido no vinho tinto e servido com salsa e raspas de limão).

Voltei pros livros quando de repente o show da Leila Pinheiro – que estava rolando no teatro do CCBB – começou a ser transmitido ao vivo no bistrô. Achei bom e os casais enamorados que lá estavam seguiram o coro, agora bem mais agarradinhos (risos). Nisso entra um casal sui generis no local. Ela, uma loura alta, com um vestido um pouco curto (ela podia usar, tá? As pernas eram malhadíssimas e o corpo todo também!) com uns quarenta e cinco anos de idade mais ou menos. Muito bem colocada, ela se sentou e ficou falando com seu acompanhante, um rapazinho branquinho com carinha de “Bebê Johnson’s”, com aparentemente 26 anos, no máximo, 28. Não pude deixar de observá-los. Infelizmente eu tenho um lance meio voyeur de ficar analisando em absoluto silêncio os gestos, trejeitos e modos das pessoas. Sei que não é muito polido, mas faço isso na maior discrição. Também não me imponho nenhuma opinião formada, e faço isso como se fosse uma espécie de laboratório (risos). Vai entender…vai ver é um resquício da época em que eu escrevia peças de teatro numa busca inconsciente por novos personagens.

Mas voltando ao tal casal, a loura falava, falava, falava e o cara só bocejava, bocejava e bocejava. Depois ele olhava pros lados e ela lá falando sozinha, monologando literalmente. Pensei: Será que é um casal mesmo? Será que ela é mãe dele? Será que ele é gay e ela só é amiga dele? Será que eles brigaram e ele tá é de saco cheio? Será…será…Será que ele tá cansado e ela fala pra caramba? Será que ela é uma PhD em literatura barroca inglesa e o cara nem entende o que ela tá falando? Ou ela é antenadíssima e ele não tem assunto? Será que ela tá falando de uma tese de mestrado sobre a obra de Augusto de Campos? Ou será que ele é mudo? (eu não vi esse cara articular nenhuma palavra até o momento vaticinador em que ele finalmente chamou o garçom). Foram tantas e mais tantas conjecturas, que até esqueci do tal risoto que já estava pra lá de atrasado. Mas, finalmente, o entrosado garçom “carioca” (a partir de hoje só chamo ele assim!) chegou com o prato fumegante. Esperei uns 5 minutos até dar aquela esfriadinha básica e a loura parlando, parlando e parlando. Nisso, a Leila Pinheiro começa a cantar (lembram do show do teatro que tava sendo transmitido ao vivo no bistrô?), então, ela começa a cantar DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ. Seriam esses os passos que separavam a loura do rapazinho? Era uísque com guaraná mesmo? Eu comecei a SENTIR UM FRIO EM MINH’ALMA e uma vontade gigante de rir daquilo tudo! Comi rapidinho e sai correndo pro carro morrendo de rir. E o risoto? Ah, o ossobuco tava ótimo! Eu recomendo mesmo! Mas as panquecas também são excelentes, viu?